sábado, março 16

Cinquenta tons de cinza – E. L. James

50 tons de cinza

Pornô para mães
A primeira vez que ouvi falar do livro, não me interessei muito, pois foi logo com uma crítica nada positiva sobre ele. A segunda vez foi durante a leitura de um trecho, em que a pessoa que lia pra mim estava super animada e um pouco envergonhada com o que lia. No entanto, enquanto ela lia, eu me lembrava dos muitos “Sabrina”, “Bianca” e “Julia” que li no começo da minha adolescência.
São aqueles livros de banca de jornal, romances açucarados, que tinham sempre, sempre mesmo, uma protagonista muito jovem (lá na casa dos dezoito anos), muito virgem (inexperiente até com beijo), muito independente (sempre com uma opinião e uma resposta na ponta da língua), e muito incapaz de se livrar dos braços do homem mais velho (na casa dos trinta anos, não mais que isso, mas não menos de vinte e um). Ah, eles eram, sempre, ricos demais para elas.
As mocinhas desses romances eram cheias de valores e problemas, logo conheciam aquele cara maravilhoso que nunca, nunca mesmo, era simpático com elas. Além disso, ele parecia odiá-las sem nenhum motivo aparente, as julgava sem saber a fundo o que acontecia com elas e, ao mesmo tempo, as agarrava sempre que tinham oportunidade. E sem que elas quisessem ser agarradas. Bem, pelo menos no começo, porque elas nunca conseguiam sair dos braços deles, até que eles decidissem soltá-las. E elas se apaixonavam perdidamente em algum momento. A explicação deles? As amavam desde o momento em que as conheceram. Sim, simples assim.
Sobre o trecho que minha amiga estava lendo, nada muito diferente do que eu já tinha lido nesse tipo de livro uma dezena de vezes… um estilo do qual havia me cansado há um tempo. E aí que está.
O que incomoda em “Cinquenta tons de cinza” não é a relação dominador-submissa, é a repetição de um estilo de livros que minha avó já lia enquanto fazia o enxoval dela. Só que com elementos de masoquismo… Não por menos, o livro está sendo conhecido lá fora como “Pornô para mamães”.
Na terceira vez em que ouvi sobre ele, minhas colegas de trabalho começaram a aparecer com cópias desse livro e me rendi: precisava descobrir com o que estava lidando.
Fanfiction
Diz a lenda, a qual confesso não ter encontrado provas concretas de sua veracidade, que “50 tons” nasceu como uma fanfiction de Crepúsculo. Não li esses livros – ainda -, mas assisti os filmes (e apagaria da memória, se pudesse) e, de fato, há alguns padrões muito semelhantes entre os personagens. Veja:
Cristian Grey: Rico, misterioso, perigoso, cheio de segredos, ele e os irmãos são adotados. Edward Cullen: Rico, misterioso, perigoso, cheio de segredos, ele e os irmãos são adotados.
Anastasia Steele: Morena, pobre, dirige um fusca velho, é insegura, estabanada, tem pelo menos dois caras que se mostram interessados nela e fica completamente obcecada por Cristian no instante em que o vê.
Bella Swann: Morena, pobre, dirige um caminhão velho, é insegura, estabanada, tem pelo menos dois caras que se mostram interessados nela e fica completamente obcecada por Edward no instante em que o vê.
Detalhe: Tanto Edward quanto Cristian avisam suas donzelas de que eles não são o homem certo para elas. Ambas as donzelas não ligam para o aviso.
Não tenho absolutamente nada contra fanfictions (ficção de fã), pelo contrário. O problema não é como “50 tons” surgiu e sim o modo como você pode facilmente relacionar uma obra à outra, e isso é muito frustrante (mesmo que, como eu, não goste nem de uma, nem de outra).
Acho que as fanfictions têm que permanecer exatamente onde estão e ser o que são. Se alguém quiser evoluir de um escritor de ficção de fã, para um escritor de verdade, pelo menos tenha a decência de escrever algo novo, original e diferente.
Personagens
Anastasia Steele tem 21 anos, está terminando a faculdade e estuda literatura. No entanto, no instante em que conhece Cristian, Ana – como gosta de ser chamada – passa a se comportar como uma garotinha de colegial.
A personagem é apresentada exatamente como todas as personagens daqueles romances de banca que citei acima. Cheia de opiniões e virgem, beijou apenas dois caras em toda a sua vida.
Dá para perder as contas de quantas vezes ela diz “uau” ou “puta merda” ou faz algum comentário bem infantil sobre como Cristian mexe com ela, provocando sensações que ela desconhecia até então. Tudo isso antes dele sequer propor que ela seja sua submissa. E isso fica chato logo, pois o livro é narrado em primeira pessoa. (Lembra alguma coisa? Sim, Crepúsculo também é escrito em primeira pessoa).
Cristian Grey. Nem ele, que é bem mais interessante que sua companheira, possui uma apresentação muito melhor. Ele é rico, um jovem empresário bem-sucedido. Misterioso. Possessivo. Perseguidor. Dominador. Sei lá, se a história não fosse contada em primeira pessoa, se o personagem principal fosse ele e não Anastasia, e se a escrita não fosse tão ruim, “Cinquenta tons de cinza” poderia muito bem ser um livro com a história certa.
Porém, “50 tons” se resume a uma personagem principal insossa, que fica o tempo todo repetindo “puta merda”, “uau” e o nome de “Cristian Grey”, o comparando com um “herói romântico”, um “cavaleiro reluzente”, e achando absurdo o fato de um “deus grego, um Adônis”, como ele estar interessado nela.
E o pior é uma mulher supostamente inteligente e independente ficar toda derretida e cheia de desculpas aceitáveis para o fato de um cara que ela mal conhece persegui-la, rastrear seu celular, mandá-la sentar, comer, dormir… e também achar sexy e sedutor o seguinte diálogo:
“- Isso quer dizer que você vai fazer amor comigo hoje à noite, Cristian?
- Não, Anastasia, não quero dizer isso. Em primeiro lugar, eu não faço amor. Eu fodo… Com força.
Meu queixo cai. Foder com força. Puta merda, isso parece muito excitante.” - Pág. 89.

Dominador/Submisso
Vamos deixar uma coisa bastante clara aqui, antes de continuar: não sou contra sadomasoquismo ou essa relação “Dominador/Submisso”.
Ele quer dominar e, inexperiente ou não, Anastasia quer ser dominada. Tudo bem, ela leva mais da metade do livro tentando decidir se quer ou não assinar o tal contrato que impõe as regras dessa relação, os limites rígidos e os limites brandos, porém, se Anastasia não quisesse ser submissa, não teria esperado tanto, e teria negado logo de cara. A verdade é essa: ela quer, a decisão é dela.
Anastasia é aquela garota insegura e sem graça que todos nós conhecemos, e que, magicamente, consegue atrair pelo menos três homens diferentes. Dois deles ela nem considera, e o outro, bem, é o tal deus grego. Ela conhece Cristian e, depois de alguns encontros nem tão acidentais assim, ele a avisa que não é o homem certo para ela. Claro que, como em qualquer história, isso não funciona e Ana continua maravilhada com ele.
Cristian, incapaz de ficar longe dela, naquele tipo de magnetismo inexplicável, decide apresentá-la a seu mundo e deixa-la decidir se quer fazer parte dele. Claro, aqui, tem algo a se considerar nessa coisa de “a decisão foi dela”. Ao primeiro sinal de que Anastasia vai recuar e esquecer essa história, Cristian aparece na casa dela e a “convence” a pensar um pouco mais.
Claro que, lá pelo final do livro, Anastasia acorda e vê que o príncipe encantado virou sapo há muito tempo. Provavelmente, bem antes dela o conhecer.
Mas aí, vale lembrar: mulheres adoram agarrar-se à vã esperança de “salvar” os homens. Sim, isso acontece. Elas veem o homem todo ferrado e é quase irresistível o impulso de querer ajudá-lo. E Anastasia é assim. Cristian tem seus problemas e mistérios, além de seu passatempo masoquista. E Ana passa boa parte da história querendo ajudá-lo.
No entanto, repito, se no fundo ela não quisesse aquela situação, não haveria livro (não que isso seja uma ideia tão ruim assim).
 50-tons-de-cinza-info
Meias palavras
Há aquelas cenas de palmadas, chicotadas e brinquedos eróticos que você provavelmente está esperando, mas há um padrão que se repete: ela goza e, em seguida, ele goza. Não que seja impossível, mas isso acontece exatamente da mesma forma todas as vezes. Mudam alguns detalhes aqui e ali, mas depois é assim que termina.
Outra coisa, Anastasia admite que quer fazer sexo masoquista com esse homem misterioso, mas é incapaz de ser direta quando o assunto é dizer onde está sentindo prazer. Ela fica cheia de meias palavras: “Eu sinto ele tocando… ali”, “Minha parte mais íntima”, “Lá embaixo”… Ou seja, depois de tantos “puta merda” e “foder com força”, ela não consegue falar “vagina” ou “clitóris”. Sendo que nem são termos pejorativos, e sim parte da anatomia feminina.
Lembra daquelas aulas de biologia, em que seus colegas ficavam de risadinhas sempre que ouviam as palavras “pênis” e “vagina”? Então, a sensação é a mesma.
Enfim…
“Cinquenta tons de cinza” tem tudo aquilo que as garotas adoram: uma personagem com que se identificar, um homem lindo, rico, sensual e misterioso, sexo, e até alguns momentos para dar uma risadinha ou deixar o coração apertar. Mulheres são mulheres e não têm como fugir do romance… ainda que torpe.
Contudo, o resultado final é um livro que pretende ser adulto, mas falha ao não conseguir encontrar o tom certo para a história narrada e acaba soando extremamente infantil.
A história é fraca, a escrita é podre, a personagem principal é chata. Tudo muito ruim para ser considerado.

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